A convicción profunda da actualidade da revolución, fai necesaria a organización política da clase obreira.

G. Lukács
 

miércoles, 16 de junio de 2021

A COVID, OS GOVERNOS DA UE E AS MULTINACIONAIS FARMACÉUTICAS

Ángeles Maestro *

Num cenário de profunda crise geral, de hegemonia capitalista na luta de classes e quando o espaço para as reformas já se esgotou há muito tempo, constata-se que, apesar de a pandemia ter revelado as dramáticas insuficiências da saúde pública, os recursos públicos têm sido exclusivamente destinados às companhias privadas. […] O trágico paradoxo é que foram precisamente as dúvidas das próprias multinacionais farmacêuticas sobre a segurança dos seus fármacos que levaram ao escandaloso acordo destas empresas com a UE. São os respetivos governos, com dinheiro público, que pagarão as indemnizações por efeitos adversos das vacinas.

 O desenvolvimento da pandemia de Covid 19 caracterizou-se, do ponto de vista mediático, por uma estratégia destinada a gerar confusão, medo e impotência. O procedimento é o de um avassalador bombardeamento de notícias sem o mais elementar rigor científico – por exemplo, usam-se números absolutos e não taxas (relação entre o número de casos e a população) para avaliar a incidência, de modo que qualquer comparação é absurda – e por um encobrimento sistemático de informações que suscitem algumas dúvidas sobre a versão oficial, incluindo as provenientes das fontes mais conceituadas.

Este trabalho pretende contribuir para a análise de um fenómeno muito complexo e atravessado por interesses poderosíssimos, que mostra a estrita submissão das decisões políticas aos interesses do grande capital, em detrimento da teórica prioridade de salvaguardar a vida e a saúde das suas populações. A gestão da compra de vacinas, tanto pela Comissão Europeia como pelo governo espanhol, é um exemplo paradigmático da submissão dos objetivos da saúde ao negócio privado.

1. Desaparecimento das farmacêuticas públicas e financiamento pelo Estado das multinacionais

Nos países capitalistas, a produção e distribuição de medicamentos concentrou-se em grandes monopólios, enquanto as empresas farmacêuticas públicas desapareceram. Tudo isso apesar de, historicamente, a OMS – e a mais elementar lógica sanitária – ter recomendado a criação em cada país de indústrias públicas produtoras dos medicamentos essenciais, entre as quais as vacinas e os hemoderivados ocupam os primeiros lugares. A atual pandemia de Covid 19 revelou a realidade: nenhum país da UE produziu até agora qualquer vacina em laboratórios públicos [1].

Na Espanha, em cada 100 euros de gastos públicos com a saúde, 29,6 são investidos em medicamentos, cerca de 30.000 milhões de euros por ano. As multinacionais farmacêuticas controlam o financiamento e a prescrição de fármacos. Muitas vezes, fazem-no por meio de suborno direto de médicos e, em geral, influenciando de forma decisiva os planos de estudos de medicina, administrando as fontes para incluir no Registo novos fármacos que não o são [2], financiando todos os congressos de especialidades médicas, pondo ao seu serviço a investigação pública e, até mesmo, patrocinando associações de pessoas doentes.

2. O negócio do século: financiamento público antecipado e isenção de responsabilidade

Uma das consequências da pandemia é o colossal negócio para as multinacionais farmacêuticas, calculado, na UE e por agora, em 50.000 milhões de euros, derivados da compra pelos Estados de milhões de doses de vacinas [3]. Gigantes empresariais como a GKS, a Pfizer ou a AstraZeneka, que, como veremos mais adiante, encabeçam as listas de sanções por práticas criminosas e que exibem anualmente margens de lucros muito superiores às da banca, nem sequer tiveram de arriscar investimentos próprios. Com dinheiros públicos dos Estados da UE, entre estes, do espanhol, foram atribuídos antecipadamente, em agosto de 2020, 2.000 milhões de euros para a compra de milhões de doses da vacina [4]. E fizeram-no antes de a validade, eficácia e segurança dos seus produtos terem sido comprovadas.

Todas as grandes farmacêuticas obtiveram dos governos da UE que fossem eles a pagar as indemnizações por possíveis efeitos secundários das vacinas. Além disso, estão a tratar de se conseguirem isentar totalmente da responsabilidade civil pelas consequências produzidas pelos seus medicamentos.

3. Os interesses económicos que controlam as decisões políticas

Em agosto de 2010, um dia após declarar o fim da epidemia da gripe A, a OMS divulgou que os membros de seu Comité de Especialistas haviam sido subornados pelas multinacionais farmacêuticas fabricantes de vacinas e antivirais, como o Tamiflu e a Relenza (La Roche e GlaxoSmithkline, respetivamente). A OMS foi acusada de ter gerado uma situação injustificada de alarme, que levou muitos países à compra massiva de vacinas e medicamentos como os mencionados. Durante todo esse tempo, manteve em segredo os nomes de seu comité de especialistas, sob o pretexto de “evitar pressões”.

Desde a década de 1990, o financiamento à OMS por parte dos Estados membros tem vindo a diminuir, enquanto aumentava o financiamento dos privados. Grandes fortunas como a de Bill Gates e de multinacionais farmacêuticas contribuem com 90% do orçamento da OMS. O gráfico a seguir fala por si:

Fonte: Organização Mundial da Saúde, 2015

O magnata norte-americano é acionista de uma dezena de empresas farmacêuticas, incluindo a Pfizer e a AstraZeneca. A Fundação AstraZeneca em Espanha tem na sua folha de pagamentos, como assessores, diretores de hospitais e instituições públicas de investigação [5].

A evidência dos vínculos entre as grandes farmacêuticas com o poder económico e político é avassaladora:

O principal proprietário da Pfizer é o fundo de investimentos Black Rock, o maior do mundo em gestão de ativos: 5,1 biliões de dólares em 2016, segundo a companhia. A Black Rock tem 9.000 milhões de dólares investidos na banca espanhola e 12.000 milhões no IBEX [6]. Além disso, em associação com a Naturgy (anteriormente, Gas Natural - Fenosa), a Black Rock participa com 49% no gasoduto Argélia-Espanha , Medgaz.

Em 11 de dezembro de 2020, o presidente dos EUA, Donald Trump, fez um ultimato a Stephen Hahn, diretor do FDA, para autorizar a vacina naquele mesmo dia ou para procurar outro emprego. A ameaça surtiu efeito, a vacina da Pfizer recebeu a autorização de emergência no dia seguinte e o gigante Walmart anunciou a sua disposição de distribuir a vacina em 5.000 estabelecimentos dos EUA.

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) facilitou a autorização de emergência da Pfizer em tempo recorde e, no dia 27 de dezembro, começou a ser inoculada nos países da UE. A EMA também recebe 90% dos seus fundos das grandes empresas farmacêuticas.

A EMA, Agência Europeia de Medicamentos, também facilitou a autorização de emergência da Pfizer em tempo recorde e, no dia 27 de dezembro, começou a ser inoculada nos países da UE. A EMA também recebe 90% dos seus fundos das grandes empresas farmacêuticas. A sua nova diretora é fiel vassala da indústria farmacêutica. Conforme publica a OMS na sua biografia, ela vem da indústria irlandesa do medicamento e trabalhou como Gerente de Assuntos Científicos e de Regulação, em Bruxelas, para a EFPIA (Associação da Indústria Farmacêutica Europeia), lóbi do setor farmacêutico na UE. Foi eleita como diretora da EMA em plena pandemia, em julho de 2020.

Em Espanha, a penetração das multinacionais farmacêuticas nas instâncias políticas tem sido uma constante, cuja descrição ultrapassa os limites deste trabalho. Vale lembrar que desde o primeiro governo do PSOE, em 1982, todos os ministros e ministras da saúde o foram com o beneplácito da indústria farmacêutica. O primeiro a não ter a sua aprovação foi Ciriaco de Vicente, um homem honrado, e isto fez com que Felipe González designasse outro candidato, Ernest Lluch.

O aval das farmacêuticas para altos cargos do Ministério da Saúde e das Secretarias das Comunidades Autónomas, incluindo o ex-ministro Bernat Soria, tem sido uma constante [7]. Em plena pandemia, o Ministro da Saúde do PSOE participou num importante evento com a multinacional farmacêutica Roche – grande protagonista do escândalo da Gripe A e do Tamifú – patrocinado pelo jornal El País, para projetar a “saúde do futuro”, com base no esquema de “colaboração público-privada” preconizado pela indústria farmacêutica.

A tentativa de eliminar do Registo os medicamentos ineficazes e inseguros – a Espanha tem quase cinco vezes mais medicamentos registados do que outros países da UE – envolveu uma viagem a Madrid de Henry Kissinger, conselheiro da companhia norte-americana Sharp and Dome (MSD), numa visita privada para “cuidar dos interesses da sua empresa”. Conseguiu o seu objetivo: o assunto saldou-se com a demissão do Diretor Geral da Farmácia, Félix Lobo.

Esses inconvenientes resolveram-se com a criação da Agência Espanhola do Medicamento, que foi inicialmente um organismo autónomo e, depois, uma agência estatal encarregada, de facto, das decisões políticas nessa área. Conseguia-se assim colocar a política do medicamento fora das estruturas ministeriais e torná-la muito mais controlável pelas multinacionais farmacêuticas. Joan Ramón Laporte [8], a mais alta autoridade científica em matéria do medicamento no Estado espanhol, afirmou recentemente : “As Agências do Medicamento foram uma invenção do capitalismo neoliberal dos anos 1990”.

4. A armadilha da COVAX

A COVAX, apresentada no Fórum Mundial de Davos, em 2017, como uma colaboração mundial para acelerar o desenvolvimento de tratamentos, testes e vacinas contra a Covid-19 é uma instituição fundada pela Global Alliance for Vaccines and Inmunizations [Aliança Global para Vacinas e Imunizações] (GAVI) e pela Coalition for Epidemic Preparedness Innovations [Coligação para a Prontidão e Inovação nas Epidemias] (CEPI), ambas projetadas, criadas e financiadas pela Fundação Bill e Melinda Gates.

A COVAX apresenta-se como uma instituição “público-privada” que, como todas as que usam este eufemismo tão em voga, utiliza financiamento público, dos governos, para benefício privado. Atua como banco comercial para a compra de vacinas a multinacionais farmacêuticas.

Apresenta-se como uma instituição “público-privada” que, como todas as que usam este eufemismo tão em voga, utiliza financiamento público, dos governos, para benefício privado. Atua como banco comercial para a compra de vacinas a multinacionais farmacêuticas. Utiliza o disfarce público e benéfico de servir para garantir o acesso equitativo às vacinas, quando, na realidade, o seu objetivo é o de moldar a indústria mundial de fabricação de vacinas e o mercado de consumo de vacinas nos países pobres [9].

A criação da COVAX obedece a três objetivos fundamentais: proteger as patentes, evitar ao máximo a distribuição de vacinas procedentes de instituições públicas de países como a China, a Rússia e Cuba, e evitar que as vacinas sejam produzidas diretamente por países com capacidade para fazê-lo, como a África do Sul, a Índia ou o Brasil [10].

5. O que sabemos e, sobretudo, o que não sabemos sobre as vacinas que se estão a utilizar na UE

A autorização de emergência recebida por todas as vacinas contra a Covid 19 não é uma aprovação como a que recebe qualquer outro medicamento, mas é usada quando os fármacos em questão não apresentaram a documentação exigida. A decisão excecional de permitir o seu uso é tomada em função de uma grave situação de alarme que justificará assumir os riscos inerentes ao não cumprimento dos protocolos e controles exigidos antes de permitir o uso de qualquer medicamento.

Após os momentos de choque, confusão e, até, de pânico, em grande parte induzidos pelos média, é de notar que a taxa média de letalidade em Espanha, no pico da epidemia (maio de 2020), era muito baixa: 0,8% (uma das mais baixas na Europa), concentrada nos mais idosos –, 95% tinham mais de 65 anos. Comparar esta letalidade com a taxa de letalidade da difteria, que era de 20% em crianças menores de 5 anos, ajuda a relativizar adequadamente a situação e a colocar a questão de se, em tais circunstâncias, é razoável prescindir dos protocolos de segurança e ignorar os requisitos estabelecidos, precisamente quando se trata de administrar novos fármacos a centenas de milhões de pessoas.

No momento em que se escreve este artigo não houve notícias de que alguma das empresas fabricantes das vacinas que estão a ser usadas na UE esteja a seguir os protocolos exigidos para a autorização definitiva, apesar dos muitos milhões de pessoas que já foram inoculadas.

A lei de patentes e, portanto, a ocultação de informações sobre a composição exata do fármaco, torna impossível avaliar, por contraste, a eficácia e os riscos das novas vacinas. O obscurantismo dos acordos da UE com as multinacionais farmacêuticas para a compra de vacinas, que anteriormente havia financiado, foi repetidamente denunciado no Parlamento Europeu. Nem mesmo os eurodeputados puderam aceder à documentação completa dos contratos em que foram investidos mais de 2 mil milhões de dinheiro público.

O obscurantismo dos acordos da UE com as multinacionais farmacêuticas para a compra de vacinas, que anteriormente havia financiado, foi repetidamente denunciado no Parlamento Europeu.

As informações dadas pelo Departamento de Saúde do Reino Unido aos profissionais da saúde, a partir de dados da própria empresa, acerca da vacina da Pfizer-BioNtech, ilustram bem a ausência de verificação de aspetos muito relevantes sobre a segurança e eficácia da mesma, mas, apesar disso, está-se a proceder à vacinação de milhões de pessoas [11]. Desse relatório britânico, a Coordenadora Antiprivatização da Saúde (CAS) destaca o seguinte:

A eficácia desta vacina é muito pequena em comparação com os níveis de proteção de vacinas anteriores [12]. A vacina da Pfizer preveniria apenas um caso leve a moderado por cada 119 pessoas vacinadas; ou seja, os outros 118 ver-se-iam submetidos aos efeitos secundários sem obter qualquer benefício.

A proteção conferida refere-se apenas a casos leves ou moderados. Não há dados sobre a eficácia na prevenção de casos graves(hospitalizações, internamentos em UCI), ou sobre a mortalidade. Afirmar que a vacina previne mortes carece totalmente de fundamento. Além disso, os ensaios não estão concebidos para avaliar a sua eficácia na prevenção de casos graves ou mortais.

Os dados sobre toxicidade reprodutiva em animais não foram concluídos.

Não se conhecem os efeitos em menores de 18 anos, nem em maiores de 65, apesar de se ter informado que a vacinação no Estado espanhol começará por esta última faixa etária.

Está excluída a vacinação durante a gravidez e a lactação e, também, em pessoas com tratamento com imunossupressores. A contraindicação em pessoas tratadas com anticoagulantes é atualmente controversa.

Desconhece-se o período de imunidade conferido pela vacina.

Não há dados sobre se existem danos na fertilidade.

Não há dados sobre a capacidade de transmissão da doença das pessoas vacinadas. Não há qualquer dado que nos permita concluir que a vacinação em massa acabará com a pandemia e se, portanto, se pode prescindir das medidas de prevenção.

6- Farmacovigilância. O lobo a guardar o rebanho

Perante a vacinação em massa de pessoas saudáveis e pessoas com várias patologias e tratamentos, a lógica mais elementar, a prudência mais básica e os princípios deontológicos mais essenciais, exigiriam o máximo reforço de todos os mecanismos de farmacovigilância e de gestão de riscos.

Nada disso está a acontecer, com caráter  geral e sistemático. No momento da inoculação, em muitos lugares, a única coisa que se pede às pessoas é que assinem o consentimento informado e pergunta-se-lhes se têm alergias. Não se está a seguir, com caráter geral e obrigatório, o estabelecido protocolo de farmacovigilância. Nem se lhes abre uma história clínica, ou se lhes pergunta sobre doenças anteriores ou atuais, ou se lhes solicitam informações sobre medicamentos que possam estar a tomar. Embora na própria documentação da empresa Pfizer se reconheça a contraindicação da vacina em casos de gravidez e lactação, não se pergunta sistematicamente às mulheres em idade fértil se estão grávidas ou a amamentar, ou se tomam anticoncetivos. Tudo isso, apesar de os efeitos adversos graves em mulheres jovens serem quase quatro vezes maiores do que nos homens.

Quem recebe a vacina também não é alertado sobre os sintomas graves que podem surgir e o que fazer nesse caso. Ou seja, não há uma coleta sistemática de dados, não há um protocolo, ou um registo geral.

Por isso, como aponta Joan Ramón Laporte, quando a EMA começa a falar sobre a existência de tromboses em localizações atípicas, que poderiam ser causadas pela vacina Astra Zeneca, entra em contradições com os seus próprios dados e, sobretudo, não mostra a tabela de recolha de dados imperativa em todos os sistemas de farmacovigilância. Laporte arrisca que a causa poderia ser a enorme subdotação de meios dos Centros de farmacovigilância, em resultado dos cortes dos últimos anos, mas, acima de tudo e intimamente vinculada aos cortes, à normativa da UE sobre farmacovigilância, que confere uma função muito destacada neste domínio precisamente à indústria farmacêutica. Segundo o normativo em vigor, as fontes de informação são de dois tipos: uma recebe as notificações espontâneas do pessoal médico – com uma subnotificação importante e que não permite uma quantificação exata –; e a outra engloba os sistemas de gestão de riscos, cuja responsabilidade cabe à própria indústria do medicamento.   

No momento da inoculação, em muitos lugares, a única coisa que se pede às pessoas é que assinem o consentimento informado e pergunta-se-lhes se têm alergias. Não se está a seguir, com caráter geral e obrigatório, o estabelecido protocolo de farmacovigilância. 

Pelo seu significado especial, reproduzo a seguir as palavras de Joan Ramón Laporte, numa recente entrevista: “Os sistemas de gestão de risco (são) uma série de estudos realizados com os primeiros consumidores de um novo medicamento para ver o que acontece e se funcionam da mesma forma que no ensaio clínico. Estes planos são confiados às próprias farmacêuticas e, isto, é pôr o lobo a guardar o rebanho! Mas disto não se fala. Relativamente aos sinais de trombos, a AstraZeneca não forneceu nenhuns dados, tudo o que se sabe é através da notificação espontânea. Além disso, se se for à rede da EMA e se consultar o documento oficial de autorização de todas as vacinas contra a Covid, fica claro que o plano de monitoramento da segurança das vacinas está nas mãos de cada empresa, mas não há uma lista dos estudos que cada uma fará, nem protocolos: é algo secreto e opaco”. O seguinte ilustra a situação com um exemplo: “Estes estudos pressupõem um enorme movimento de dinheiro. Um relatório alemão dizia que, em cinco anos, as empresas farmacêuticas pagarão mais de 200 milhões de euros a médicos para participarem nestes estudos, sem produzirem um único resultado para o sistema alemão de farmacovigilância. Usam a farmacovigilância para promover a prescrição do medicamento! Pagam a cada médico participante o que subscrevem para cada paciente!  A EMA sabe disso perfeitamente e não faz nada”. 

7. Práticas criminosas e mafiosas

A revista JAMA (Journal of the American Medical Association [Revista da Associação Médica Americana]) publicou em novembro de 2020 um artigo intitulado “Sanções económicas impostas a grandes empresas farmacêuticas por atividades ilegais”. O estudo refere-se apenas aos EUA e inclui as sanções impostas por este país, entre 2003 e 2016, a 22 multinacionais farmacêuticas que produzem medicamentos para o tratamento, testes ou vacinas para a Covid 19. A GlaxoSmithKline (GSK) ocupa o primeiro lugar com multas no valor de 9.775 milhões de dólares, a Pfizer o segundo, com sanções de 2.910 milhões de dólares, a Johnson e Johnson o terceiro, com 2.668 milhões e a AstraZeneka o décimo primeiro, com 1.172. As multas costumam representar 10% dos benefícios obtidos pelo ato sancionado. O pagamento de multas é considerado como mais uma despesa na comercialização de um fármaco.

Os crimes de que foram acusadas são: promoção ilegal (recomendar fármacos para indicações não aprovadas), interpretação falsificada dos resultados das investigações, ocultação de dados e danos e subornos com comissões a pessoal médico e políticos para a obtenção de contratos, entre outros. Todas elas obtiveram contratos milionários com a Comissão Europeia, incluindo a GSK que, associada à francesa Sanofi, conseguiu vender à Comissão Europeia 300 milhões de doses da sua vacina que, supostamente, estarão disponíveis em meados deste ano.

A publicação de relatórios e resultados de investigações farmacológicas nas mais conceituadas revistas científicas é financiada pela indústria farmacêutica, que os utiliza como instrumento de propaganda, como tem sido reconhecido pelos diretores dessas publicações [13].

8. O contrato do século. A UE negocia a compra à PfizerBioNtech de 1.800 milhões de doses

No passado dia 14 de abril, a presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, confirmou que a UE estava a negociar com a PfizerBioNtech a compra de 1.800 milhões de doses adicionais da sua vacina, enquanto se anunciava o aumento do preço de cada dose para 23 dólares. No total, a UE pagará a fabulosa quantia 41.400 milhões de euros de dinheiros públicos por um número de doses que multiplica por quatro a atual população da UE-27, 446 milhões de pessoas. Este desequilíbrio justifica-se pela chegada de novas “ondas”, que vão exigir três ou quatro novas doses da vacina até 2023.

O cenário montado com os incumprimentos e os efeitos adversos da AstraZeneka tem servido para justificar que a vacina da PfizerBioNtech se torne “na coluna vertebral da vacinação europeia”. A presidente da Comissão Europeia aproveitou para elogiar “o compromisso, a confiança e a reatividade da Pfizer-BioNTech”. Estes elogios não são apenas gratuitos, pois também pretendem encobrir que a multinacional farmacêutica ocupa o infame segundo lugar nas condenações por crimes de promoção de medicamentos para indicações não aprovadas, ocultação de resultados adversos e, principalmente, no caso que nos ocupa, subornos de funcionários para a obtenção de contratos [14].

É muito interessante aceder à aparição pública do Procurador-geral associado dos EUA, Thomas Perrelli, anunciando a histórica condenação da multinacional farmacêutica. A Pfizer-BioNtech aceitou a sua culpa pela promoção de fármacos para usos não aprovados e pagou 2.300 milhões de dólares [15]. Poderia alguém assegurar que o fabuloso contrato obtido pela Pfizer-BioNtech com a UE é estranho a estas práticas tão habituais e documentadas da multinacional farmacêutica?

Ainda que a “estratégia de choque” esteja a possibilitar que se esqueça o mais elementar, é preciso recordar – máxime perante um contrato destas dimensões, com prazos temporais tão largos e que prevê inoculações repetidas a milhões de pessoas –, que se trata de um fármaco não aprovado. Apesar de se passarem meses e se realizarem vacinações massivas, este fato transcendental não é mencionado, nem se estabelecem prazos para acabarem os estudos necessários à sua aprovação definitiva.

Conclusões

1 – O objetivo prioritário da obtenção crescente de lucros, inerente às empresas privadas, é estritamente oposto ao objetivo da saúde pública: melhorar o estado de saúde de toda a população. O capital, para se desenvolver, precisa de minar e enfraquecer o sistema público: quanto mais e melhor saúde pública, menos espaço para negócios privados, e vice-versa. Exatamente o mesmo que acontece com os parasitas no que diz respeito ao organismo cujos recursos utilizam para viver e cuja devastação é inerente ao seu desenvolvimento.

2 – Num cenário de profunda crise geral, de hegemonia capitalista na luta de classes e quando o espaço para as reformas já se esgotou há muito tempo, constata-se que, apesar de a pandemia ter revelado as dramáticas insuficiências da saúde pública, os recursos públicos têm sido exclusivamente destinados às companhias privadas. As medidas gerais de saúde pública, tanto sociais como sanitárias, foram ignoradas.

3 – Os múltiplos antecedentes de corrupção, tanto de peritos da OMS e das diferentes Agências do Medicamento, quanto de políticos, por parte das grandes empresas farmacêuticas, juntamente com os fabulosos lucros que se estão a gerar, permitem suspeitar que se construiu um sinistro cenário “informativo” de medo na população, para tentar justificar multimilionários investimentos, com dinheiros públicos, em vacinas produzidas pelas grandes multinacionais farmacêuticas.

4 – Ao serviço deste descomunal negócio deve colocar-se o facto de se terem obtido autorizações de emergência, sem garantir os níveis de segurança e eficácia exigidos a este tipo de medicamentos de uso massivo em pessoas saudáveis. Além disso, no processo de vacinação não há notícias da existência de protocolos de farmacovigilância, de carácter geral e sistemático, que permitam conhecer com rigor os efeitos adversos que as novas vacinas estão a produzir.

5 – A avaliação da segurança e eficácia de um medicamento tem os seus ritmos e as suas formas. Não os respeitar acarreta riscos, principalmente quando vai ser administrado a milhões de pessoas saudáveis. O princípio hipocrático primum non nocere [primeiro (que tudo) não prejudicar], que deve guiar a prática médica, sucumbiu perante os negócios multimilionários. O trágico paradoxo é que foram precisamente as dúvidas das próprias multinacionais farmacêuticas sobre a segurança dos seus fármacos que levaram ao escandaloso acordo destas empresas com a UE. São os respetivos governos, com dinheiro público, que pagarão as indemnizações por efeitos adversos das vacinas.

6 – O controle das decisões políticas por parte das multinacionais farmacêuticas revela-se nitidamente quando os governos esgrimem o “alarme” e a “emergência” como razões para a adoção de decisões que ultrapassam os limites da prudência. Ao mesmo tempo, ignoram-se as descobertas realizadas por organismos públicos dos próprios países da UE, ou sabotam-se acordos com países como a Rússia ou Cuba, com uma longa e comprovada tradição das suas instituições públicas em biotecnologia e na descoberta de vacinas.

7 – Num mundo em que as evidências científicas se subordinam à esmagadora lógica do lucro, a produção de medicamentos pelas instituições públicas é a única garantia de poder subtrair tão precioso bem à ação de máfias internacionais de enorme capacidade de corrupção, de chantagem e até de crime, como os descritos por John le Carré na sua novela O Fiel Jardineiro.

Há uma incompatibilidade essencial entre o negócio privado e a saúde pública. Nestes meses, e o mais duro ainda está por vir, tornou-se inocultável a depredação de vidas humanas que o capitalismo produz. A aposta na vida e a colocação do ser humano como prioridade social exigem a destruição do capitalismo.

Notas

1. Investigadores da Universidade de Helsínquia têm, há meses, uma vacina contra a Covid, usada por spray nasal, que impede a entrada e replicação do vírus, pode conservar-se a temperatura ambiente e está livre de patentes. A equipa necessita de 50 milhões de euros para realizar a Fase III, um montante ridículo em relação ao que se está a investir em vacinas, verba que não conseguiu até à data – https://kaosenlared.net/finlandia-tiene-una-vacuna-para-la-covid-desde-hace-nueve-meses-y-opto-por-la-big-pharma/. Algo semelhante acontece na Espanha com a vacina , também nasal, sobre a qual trabalha uma equipe do CSIC, com cientistas com contratos precários e investigadores reformados que trabalham de graça – https://www.eldiario.es/sociedad/retrasar-edad-jubilacion-buscar-vacuna-coronavirus-facil-seria-dejarlo-siento-obligacion-moral_1_6462532.html.  

2. O número de medicamentos autorizados e comercializados em Espanha, 13.335, é mais de dez vezes superior ao de países como a Noruega e mais de três vezes do que em França. Este facto não significa melhores recursos para os tratamentos, mas sim um alto grau de controle do Registo por parte das empresas. As palavras de Joan Ramón Laporte, diretor da Agência Catalã do Medicamento são conclusivas: A Espanha financia todos os medicamentos que a indústria lhe propõe – https://www.elperiodico.com/es/health/20151220/laporteespana-financia-todos-los-medicamentos-que-le-propone-la-industria-4760501.

3. A utilização da propaganda pelos grandes executivos da Pfizer ou da Moderna sobre supostos sucessos das suas vacinas como meio de conseguir aumentos das cotações em bolsa, para, depois, venderem as suas ações dá uma ideia das gigantescas expetativas de negócio e da falta de escrúpulos com que este negócio se desenvolve.

4. A Espanha aderiu ao Acordo de Compra Antecipada de Vacinas da EU – boe.es

5. A sua Diretora é a ex-Secretária de Estado da Investigação, com Mariano Rajoy. São também membros o Diretor da fundação pública de Medicina Genómica do Serviço de Saúde da Galiza, do Centro Nacional de determinação do genótipo do ISCIII e membro da Agência Europeia do Medicamentos, a Subdiretora-geral de Bioética da Comunidade de Madrid, um membro do comité de peritos em política do medicamento da OMS e a diretora de ensaios clínicos do Hospital de Granada. No Comité científico da Fundação AstraZeneca está o Diretor do Instituto Respiratório do Hospital Clínica de Barcelona, o Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital 12 de outubro, o Diretor do Instituto de Investigação de Barcelona e o Chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital Ramón y Cajal – hojasdebate.es

6. A BlackRock é o maior acionista dos dois grandes bancos espanhóis, Santander (5,38%) e BBVA (5,917%), Caixabanco (3,003%), Banco de Sabadell (4,994%) e Bankinter (3,694%). Também possui participações em grandes empresas multinacionais espanholas, como, por exemplo: Telefónica (3,883%), Repsol (3,25%), ACS (3,2%), OHL, Gamesa (9%), IAG (6,2%), Euskaltel (3,59%), Técnicas Reunidas (3,055%) – https://es.wikipedia.org/wiki/BlackRock#Espa%C3%B1a.

7. Os dados podem ser consultados aqui: dsalud.com.

8. Joan Ramón Laporte é catedrático de Farmacologia da Universidade de Barcelona e Diretor do Instituto Catalão de Farmacologia, organismo que colabora com a OMS.

9. COVAX, um organismo mundial com múltiplas partes interessadas, que pode representar riscos sanitários e políticos para os países em desenvolvimento e o multilateralismo – Amigos da Terra Internacional (foei.org).

10. COVAX: a armadilha (alainet.org).

11. A informação científica fornecida pelo Governo britânico pode consultar-se aqui: assets.publishing.service.gov.uk.

12. A vacina contra a poliomielite confere um nível de proteção entre 99 e 100% até 25 anos, após a quarta dose. vacunas.org.

13.Gotzsche, C. Peter (2014) Medicamentos que matam e crime organizado. O autor, médico, biólogo e químico, que trabalhou para a indústria farmacêutica, reflete neste demolidor trabalho a engrenagem criminosa das multinacionais farmacêuticas.

14. Ibid. nota 13.

15. Pfizer Medical Fraud Settlement | C-SPAN.org (c-span.org).

* Ángeles Maestro: Médica, Técnica Superior de Saúde Pública e ex-deputada, porta-voz da Saúde no Congresso

Fonte: https://www.elsaltodiario.com/industria-farmaceutica/la-covid-los-gobiernos-de-la-ue-y-las-multinacionales-farmaceuticas, publicado e acedido em 2021/05/31



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