A convicción profunda da actualidade da revolución, fai necesaria a organización política da clase obreira.

G. Lukács
 

miércoles, 23 de septiembre de 2020

A VACINA RUSSA CONTRA A COVID 19, SOBRE OS OMBROS DA URSS


Angeles Maestro 


Se escrevo este artigo é porque creio que ninguém está a falar do óbvio: as equipas científicas russas foram capazes de criar a vacina porque ainda existe uma poderosa estrutura estatal de laboratórios de investigação que foi desenvolvida pela União Soviética.


O anúncio de que a Rússia tinha disponível uma vacina contra a Covid-19 deu lugar a massivas desqualificações prenhes de carga política e económica. O alinhamento com os Estados Unidos por parte dos os grandes meios de comunicação, correias de transmissão de uma subordinação política ao imperialismo norte-americano própria de lacaios - que por outro lado se assemelha cada vez mais àquele que tenta salvar-se agarrando-se a quem se afoga – leva a desqualificar tudo o que vem da Rússia com a irracionalidade e sistematicidade de uma mola. poderosos No caso da vacina russa, a rejeição mediática generalizada está também untada pelos poderosíssimos interesses das multinacionais farmacêuticas. Os impérios do medicamento já esfregavam as mãos e preparavam os seus cofres para recolher os lucros da venda mundial de centenas de milhões de vacinas. Ainda está fresca memória dos milhares de milhões de dólares obtidos pela Gilead , com o Sovaldi ou pela Roche, com o Tamiflu , fármaco criado contra uma epidemia, a da Gripe A, que nunca existiu.

Muito se ironizou sobre os dois lapsos de Fernando Simón ao atribuir a vacina à URSS. Desconheço qual é a opinião de Simon sobre a URSS, mas efectivamente, os avanços soviéticos em saúde pública e medicina preventiva - alguns dos quais sobreviveram à Perestroika de Gorbachev, que considerava suspeito de ineficácia tudo o que era público - tornaram possível uma vacina à qual, significativamente, chamaram Sputnik.


A URSS e a Saúde Pública

A Revolução de Outubro de 1917 deu origem ao primeiro sistema público de saúde, universal, baseado na promoção da saúde e na prevenção da doença e que exigia no seu funcionamento a participação da população na tomada de decisões .

Num Estado que apresentava no início do século XX taxas de mortalidade infantil elevadíssimas - de cada 1.000 mortos, dois terços eram crianças com menos de 5 anos - e de mortalidade por doenças infecciosas (a mortalidade por tuberculose era de 400/100.000), a implementação de serviços de saúde em todos os recantos do imenso território foi acompanhada pela implementação de medidas de prevenção generalizadas .

A vacinação de toda a população foi mais uma medida, entre outras também decisivas. O acesso a água potável e ao tratamento de resíduos, à eletricidade ("O comunismo é o poder dos sovietes mais a electrificação de todo o país" VI Lénine ), a habitação higiénica com aquecimento, a boa alimentação, a condições de trabalho decentes, a educação, ... e ao poder político - conditio sine qua non -, são muito mais importantes do que os medicamentos para melhorar a saúde das populações .

A Rússia czarista já havia desenvolvido uma importante trajectória científica em microbiologia, e especificamente em vacinas, que não chegavam ao seu povo. Antes da descoberta da vacina contra a varíola por Edward Jenner em 1796 e dado que a doença devastava desde há séculos a vida de milhões de pessoas em todo o mundo, aplicava-se um procedimento arriscado: a variolização. Provocava-se o contágio para induzir imunidade, embora o risco de morte fosse elevado.

Após a morte por varíola do czar Pedro I em 1730, a imperatriz Catarina II, juntamente com o seu séquito, submeteu-se publicamente a tal procedimento - que teve sucesso - e utilizou-o como arma propagandística a favor da ciência e contra a superstição. Efectivamente, com apoio estatal foram desenvolvidas instituições científicas relacionadas com a imunologia.

O Centro Nacional de Investigação de Epidemiologia e Microbiologia, responsável pela descoberta da vacina contra a Covid 19, tem o nome do cientista Fiodor Gamaleya. Gamaleya desenvolveu nos finais do século XIX importantes investigações sobre a raiva com Luis Pasteur e com o seu apoio fundou o primeiro Instituto Bacteriológico da Rússia, e o segundo do mundo. Seguiram-se descobertas de Gamaleya e outros cientistas russos sobre vacinas e mecanismos de transmissão da cólera, peste, tifo, etc.

O triunfo da Revolução em 1917 criou as condições para a aplicação desses avanços, que tinham permanecido encerrados em laboratórios, ao conjunto da população. Realizou-se a primeira campanha de vacinação universal da história da humanidade: em 18 de Setembro de 1918, o Comissário do Povo para a Saúde Pública N.A. Semashko adoptou o "Regulamento de vacinação contra a varíola" baseado no relatório científico de Gamaleya e em Abril de 1919 o Presidente do Conselho de Comissários do Povo V.I. Lénine assinou o decreto correspondente. Foi a primeira campanha de vacinação universal da história da humanidade .

No início dos anos 1930, a URSS foi o primeiro território do mundo a anunciar a erradicação da varíola. À escala mundial esse facto ocorreu 50 anos depois.

Os anos em que a OMS gozou de prestígio e autoridade mundiais, antes de ser engolida pelas multinacionais farmacêuticas, foram tempos de grande influência da URSS. Em 1958, Viktor Zhdanov, Vice-Ministro da Saúde soviético, propôs à Assembleia da OMS um plano para erradicar a varíola à escala global, que foi aprovado e posto em marcha. Algo mais de vinte anos depois, ao declarar a erradicação da varíola no planeta, o director da OMS lembrou a contribuição extraordinária da URSS para os países carentes de recursos: 400 milhões de doses da vacina . 

A vacina contra a poliomielite na URSS e a da Covid 19.

Em meados do século XX uma nova epidemia causava grande mortandade e incapacitações: a poliomielite. Nos EUA, em 1955, foi desenvolvida a primeira vacina, baptizada Salk com o nome do seu descobridor. Pouco depois, o virologista Albert Sabin descobriu outro tipo de vacina mais eficaz, mais barata e mais segura (a vacina de Salk tinha apenas 60% de eficácia). Dado o sucesso da primeira não foi possível testá-la nos EUA.

Os cientistas soviéticos, Mikhail Chumakov e Anatoly Smorodintsev, foram enviados aos Estados Unidos. Sabin e Chumakov acordaram continuar a desenvolver a vacina em Moscovo. Vários milhares de doses da vacina foram trazidos dos Estados Unidos numa mala vulgar e as primeiras vacinações começaram.

Chumakov e a sua companheira, a virologista Marina Voroshilova, iniciaram a experiência em Moscovo com os seus próprios filhos. A vacina consistia num vírus debilitado, utilizava-se a via oral e era administrada por meio de um torrão de açúcar, de forma que não necessitava de pessoal qualificado.

Em ano e meio acabou a epidemia na URSS. Em 1960, 77 milhões e meio de pessoas foram vacinadas. Albert Sabin foi chamado a depor acusado de actividades anti-americanas.

Uma anedota da época acaba por ser de grande actualidade. No Japão, a poliomielite assolava a população infantil e apenas a vacina Salk, de eficácia limitada e além disso em quantidade insuficiente, estava disponível. A vacina produzida na URSS não conseguia, por óbvias razões políticas e económicas, as licenças para ser importada. Depois de diversas peripécias, milhares de mulheres japonesas saíram à rua para exigir a vacina e alcançaram o seu objectivo. O filme soviético-japonês "Step" do realizador Alexander Mitta conta a história .

Deve sublinhar-se que os avanços russos em matéria de vacinas continuaram após a queda da URSS. O Centro Nacional de Investigação de Epidemiologia e Microbiologia descobriu recentemente uma vacina contra o Ébola e trabalha actualmente em várias linhas de investigação, uma das mais avançadas a que tenta encontrar a vacina contra outro Coronavírus, o MERS-Cov. Desta forma, como reiteraram proeminentes investigadores russos, a rapidez do processo com a vacina contra a Covid-19 deve-se ao facto de se ter trabalhado sobre plataformas criadas há anos que avançavam em direcções semelhantes. De momento, a Rússia anunciou a fabricação de 1.000 milhões de doses para 20 países solicitantes.

A experiência continuará a escrever história. O que não se pode ignorar é que a campanha para desacreditar a vacina russa é dirigida por gente que nada tem a ver com procedimento científico e tem muita relação com os poderosíssimos interesses económicos, entre outros, da indústria farmacêutica.

Por outro lado, apesar dos lapsos de Fernando Simón, nem Putin é Lénine, nem a Rússia é a URSS. Mas nós, trabalhadores de todo o mundo, não deveríamos esquecer que a gigantesca gesta operária de Outubro de 1917 e a derrota do fascismo na Segunda Guerra Mundial, ainda continua a permitir alcançar, como neste caso, avanços científicos desenvolvidos sobre décadas de trabalho não sujeito aos interesses do capital e produzidos em instituições públicas.

Não é de todo provável que, apesar do sofrimento causado pela pandemia e do evidente desastre do sistema de saúde no Estado espanhol, o governo "progressista" se atreva a priorizar a saúde de seu povo e enfrentar, mesmo que apenas por uma vez , o poder de um dos baluartes do imperialismo: a indústria farmacêutica.

A conquista da independência, da verdade, terá que vir de outras mãos, da construção de outro poder capaz de derrotar a barbárie.


Agosto de 2020


No hay comentarios:

Publicar un comentario